O que é o Procedimento de Rashkind e por que ele é essencial para recém-nascidos?

Procedimento de Rashkind 

O Procedimento de Rashkind, também conhecido como atriosseptostomia por balão, é uma intervenção cardíaca paliativa e minimamente invasiva, realizada em recém-nascidos com cardiopatias congênitas críticas que dependem da mistura de sangue entre os átrios para sobreviver. Seu principal objetivo é ampliar a comunicação entre os átrios (criando ou aumentando uma comunicação interatrial), permitindo a mistura de sangue oxigenado e não oxigenado e, assim, melhorando a circulação e a oxigenação do organismo.


Esse procedimento é indicado principalmente para condições como:

  • Transposição das Grandes Artérias (TGA) com comunicação interatrial restritiva
  • Drenagem Anômala Total de Veias Pulmonares (DATVP)
  • Síndrome do Coração Esquerdo Hipoplásico (SCEH)
  • Atresia Pulmonar
  • Atresia Tricúspide


Como o procedimento é realizado?

Durante o procedimento, um cateter com um balão na ponta é inserido através de um vaso sanguíneo, geralmente na virilha, e guiado até o coração com o auxílio de imagens de raio-X (fluoroscopia). O cateter é cuidadosamente posicionado no átrio esquerdo, passando pelo forame oval — uma abertura natural entre os átrios presente em recém-nascidos.

Uma vez no local, o balão é inflado e, em seguida, puxado de volta para o átrio direito. Esse movimento, amplia a abertura do septo atrial ou cria uma nova comunicação entre os dois átrios. Essa abertura permite que o sangue rico em oxigênio (vindo dos pulmões) se misture com o sangue pobre em oxigênio (vindo do corpo), melhorando a oxigenação do sangue que circula pelo organismo.

O procedimento é rápido e minimamente invasivo, sendo realizado em poucos minutos. Ele é essencial para estabilizar recém-nascidos com cardiopatias críticas, até que uma cirurgia corretiva definitiva possa ser realizada.

Procedimento de Rashkind


O que é o forame oval?

O forame oval é um pequeno orifício localizado no septo do feto. O septo é a parede entre os lados direito e esquerdo do coração. O forame oval serve como uma passagem para o sangue fluir do lado direito para o lado esquerdo do coração fetal


Por que o forame oval é importante em uma septostomia?

Graças ao forame oval, bebês que apresentam defeitos cardíacos cianóticos podem sobreviver por alguns dias após o nascimento. Essa pequena abertura natural entre os átrios permite que uma pequena quantidade de sangue rico em oxigênio se misture com o sangue pobre em oxigênio, mantendo a circulação e a oxigenação do corpo. No entanto, quando o forame oval se fecha naturalmente, essa passagem desaparece, e o bebê deixa de receber sangue oxigenado suficiente, colocando sua vida em risco. Nesses casos, é necessária uma intervenção imediata. Foi nesse contexto que a septostomia por balão, desenvolvida em 1966, se tornou um avanço médico revolucionário.

Em casos em que o forame oval já está fechado, a septostomia pode criar um orifício no septo interatrial, utilizando um cateter com lâmina especial. Embora a ideia de criar um orifício no coração possa parecer contraditória, essa intervenção é essencial para a sobrevivência de alguns bebês.


Pacientes com cardiopatias críticas

Em condições ideais, crianças diagnosticadas com cardiopatia crítica ainda no período fetal devem nascer em hospitais especializados e equipados para realizar o procedimento imediatamente após o nascimento, seguido pela cirurgia apropriada para cada caso.  Embora não esteja isento de complicações, como arritmias ou lesões vasculares, o procedimento é altamente eficaz e pode salvar muitas vidas, proporcionando uma condição mais estável e segura para a cirurgia definitiva.


Como saber se o procedimento foi bem-sucedido?

Em geral, uma septostomia atrial é bem-sucedida se qualquer uma destas condições for atendida:

  • A quantidade de oxigênio nas artérias do seu bebê aumenta em 10%.
  • O orifício no septo está pelo menos 33% mais largo do que era antes do procedimento.
  • Há uma diferença mínima na pressão arterial entre os átrios direito e esquerdo.


Importância do procedimento na medicina

O procedimento de Rashkind revolucionou o tratamento de cardiopatias congênitas críticas, como a transposição das grandes artérias e a síndrome do coração esquerdo hipoplásico. Ele permitiu que recém-nascidos com condições graves tivessem uma chance de sobreviver até a realização de cirurgias corretivas. Além disso, é um exemplo marcante de como a medicina intervencionista pode salvar vidas com técnicas menos invasivas, rápidas e altamente eficazes, reduzindo riscos e melhorando a qualidade de vida desses pequenos pacientes.


Links de referência:

https://www.msdmanuals.com/pt/casa/multimedia/image/septostomia-atrial-com-bal%C3%A3o-procedimento-de-rashkind

https://my.clevelandclinic.org/health/treatments/23042-septostomy.


Texto: Cibele Sperone – Coração & Perfusão

 

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Comunicação Interventricular (CIV)

Comunicação Interventricular (CIV): Causas, Sintomas, Tratamento e Diagnóstico

Cardiopatias Congênitas – Comunicação Interventricular (CIV). Uma das doenças cardíacas mais frequentes, acometendo de 5 a 50 / 1.000 bebês, sendo mais prevalente no sexo feminino.

A Comunicação Interventricular, também conhecida como CIV, é uma alteração na anatomia do coração que surge enquanto o feto ainda está em formação. É uma das cardiopatias congênitas mais frequentes, que se caracteriza pela presença de um ou mais orifícios no septo interventricular, permitindo a passagem de sangue do ventrículo com maior pressão para o ventrículo com menor pressão, geralmente da esquerda para a direita. 

No coração normal, o sangue do lado esquerdo é bombeado para o corpo e do lado direito para os pulmões. Quando existe essa comunicação, uma quantidade de sangue passa do ventrículo esquerdo (maior pressão) para o ventrículo direito. Este sangue já oxigenado, vai novamente para os pulmões e retorna para o lado esquerdo, sobrecarregando o coração. Nos pulmões, a sobrecarga aumenta a pressão podendo lesionar as paredes das artérias pulmonares.

O volume de sangue recebido no ventrículo direito está diretamente relacionado ao tamanho da comunicação. A sobrecarga de volume sanguíneo acarretará na piora principalmente dos sintomas respiratórios e na dificuldade em ganhar peso. Tudo isso devido às sequelas pulmonares e cardíacas causadas pelo excesso de sangue em locais que não estão preparados para essa situação. A longo prazo, os pulmões podem sofrer sequelas levando a uma doença chamada de Hipertensão Pulmonar, caso a CIV não seja fechada em tempo hábil.

CLASSIFICAÇÃO

A CIV pode ser classificada devido a diferentes critérios, como característica, localização anatômica e presença de outras anomalias cardíacas associadas. Entre as mais comuns, estão:

1. Classificação com base no tamanho:

    • Pequena: diâmetro de até 4 milímetros.
    • Média: diâmetro entre 5 e 8 milímetros.
    • Grande: diâmetro maior que 8 milímetros.

2. Classificação com base na localização:

    • CIV Muscular: localizada na porção muscular do septo interventricular.
    • CIV Perimembranosa: localizada na porção membranosa do septo interventricular, próxima à válvula tricúspide.
    • CIV Subarterial: localizada abaixo das valvas aórtica e pulmonar.

Localização anatômica em relação à crista supraventricular – estrutura muscular que separa a porção principal do ventrículo direito da porção infundibular: quando se encontram acima da crista são chamadas infundibulares e abaixo infracristais e são localizadas nas regiões do septo membranoso ou na porção muscular do septo.

3. Classificação com base na relação com outras anomalias cardíacas:

    • CIV Isolada: defeito presente sem associação com outras anomalias cardíacas.
    • CIV Complexa: defeito associado a outras malformações cardíacas, como Transposição das Grandes Artérias (TGA), Tetralogia de Fallot (T4F), Estenose Pulmonar, Coarctação de Aorta (CoAo).

Essas classificações auxiliam na compreensão da gravidade da CIV e na determinação no tratamento mais adequado. 

 

Tipos de CIV - Tamanho e Localização: Dados Importantes para Diagnóstico e Tratamento Precoce. 
Imagem: Coração & Perfusão

 

TAMANHO E LOCALIZAÇÃO

As CIVs variam em tamanho e localização. Uma CIV de tamanho pequeno pode evoluir com redução do seu diâmetro e fechamento espontâneo nos primeiros 2 anos de vida da criança, mas na maioria dos casos o tratamento cirúrgico é necessário, sendo indicado no tempo certo.

CIV PÓS INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO (IAM)

A CIV que ocorre após o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) é rara, mas justifica alta mortalidade quando não é diagnosticada e tratada adequadamente. Ocorre devido a uma ruptura do septo interventricular pós-IAM associado muitas vezes a instabilidade hemodinâmica do paciente.

SINTOMAS

A presença de outras alterações cardíacas também podem influenciar nos sintomas. Uma comunicação pequena, a criança pode apresentar um sopro cardíaco exuberante, sem outras manifestações clínicas. 

Nos defeitos amplos, o sopro é mais baixo mas a criança apresenta sintomas e sinais exuberantes. Os mais comuns são baixo peso, cansaço para mamar, sudorese e extremidades mais frias. A recorrência de quadros respiratórios também pode estar relacionada com a presença da CIV.

Comunicações amplas que não foram tratadas podem gerar cianose e falta de ar em atividades. As CIVs moderadas ou grandes, causam danos ao desenvolvimento do paciente, levando ao aparecimento de sinais de insuficiência cardíaca (ICC) já nos primeiros três meses de vida.

DIAGNÓSTICO

O sopro cardíaco é o achado mais frequente nos exames clínicos. Na CIV, o turbilhonamento do sangue entre os ventrículos provoca um sopro  que pode ser ouvido durante toda a sístole (fase de contração dos ventrículos). A intensidade do sopro pode variar, dependendo do tamanho e da gravidade da CIV, e geralmente é localizada na região do ápice do coração.

O exame mais utilizado para diagnóstico é o ecocardiograma transtorácico, que fornece imagens do coração, permitindo uma análise precisa do tamanho, localização e características da doença. Com as informações obtidas, é possível fazer um diagnóstico preciso da condição, determinar a gravidade do defeito e planejar o tratamento adequado. Outros exames para confirmar o diagnóstico são o eletrocardiograma e a radiografia de tórax.

Em alguns casos, o diagnóstico pode ser feito antes do nascimento, através do ecocardiograma fetal, permitindo que o tratamento comece imediatamente após o nascimento

TRATAMENTO

O tratamento pode variar de acordo pelo tamanho e gravidade do defeito, presença de sintomas, idade e outras condições associadas. 

Observação e monitorização: casos de CIV pequena e assintomática, envolvendo consultas regulares para avaliar o tamanho e acompanhar a presença de sintomas. 

Tratamento com medicamentos: em alguns casos, o medicamentos são utilizados para controlar os sintomas associados, garantindo melhor qualidade de vida. 

Cirurgia: casos de CIV grande, persistente, sintomática ou que não se fecha espontaneamente.

Cateterismo cardíaco: em alguns casos, pode ser possível realizar o fechamento da CIV por cateterismo cardíaco. 

O tratamento da CIV é individualizado e depende das características específicas de cada paciente. É importante que o tratamento seja acompanhado por um cardiologista pediátrico, que avaliará a gravidade da doença e recomendará a melhor opção de tratamento para cada caso. 

 

Texto: Coração & Perfusão / Dr. Juliano Penha – Cirurgião Cardiovascular Pediátrico – CRM-SP 127.414 | RQE 51.118

 

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Cardiopatias Congênitas – Defeito do Septo Atrioventricular (DSAV)

O Defeito do Septo Atrioventricular (DSAV) é uma alteração cardíaca congênita relativamente frequente, com uma incidência de aproximadamente 50 a cada 100.000 nascidos vivos, sendo muito associada à Síndrome de Down (40 a 50%).

Faz parte das cardiopatias congênitas acianóticas com hiperfluxo pulmonar, o que significa que não causa cianose (pele azulada), mas aumenta o fluxo sanguíneo nos pulmões. Essa condição ocorre devido à ausência ou deficiência das estruturas que formam o septo atrioventricular, a parede que separa as câmaras superiores (átrios) das inferiores (ventrículos) do coração.

O coração normal é dividido em quatro câmaras, sendo duas do lado direito (átrio e ventrículo direitos) e duas do lado esquerdo (átrio e ventrículo esquerdos). O lado direito é responsável pelo bombeamento do sangue venoso (não oxigenado) que retorna do corpo para os pulmões, através da artéria pulmonar. Já o lado esquerdo recebe o sangue que retorna do pulmão (já oxigenado) e é responsável por seu bombeamento ao restante do corpo, através da artéria aorta. Cada ventrículo possui uma valva: valva tricúspide com o ventrículo direito e valva mitral com o ventrículo esquerdo. O habitual é que não exista comunicação entre os dois lados do coração, não permitindo mistura de sangue entre eles.

Em um coração normal, as válvulas atrioventriculares direita (tricúspide) e esquerda (mitral) estão em planos diferentes. No DSAV, essas válvulas estão no mesmo plano, formando um único anel.

O DSAV pode ser classificado em duas formas principais:

DSAV Total (DSAVT) – Inclui uma Comunicação Interatrial (CIA) e uma Comunicação Interventricular (CIV), permitindo a passagem de sangue entre os átrios e entre os ventrículos.

DSAV Parcial – Apresenta apenas a CIA, sem a presença de CIV.

O único tratamento eficaz para o DSAV é a cirurgia, que geralmente é realizada entre 6 a 12 meses de idade em casos mais graves. Em casos mais leves, a cirurgia pode ser feita entre 3 e 4 anos de idade. A intervenção precoce é fundamental para evitar complicações pulmonares graves.

Texto: Coração & Perfusão / Parceria: Dr. Juliano Penha – Cirurgião Cardiovascular Pediátrico – CRM-SP 127.414 | RQE 51.118

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